A circulação de armas de fogo caiu nos primeiros quatro meses do ano no Distrito Federal. De acordo com a Polícia Federal, o número de pessoas que pediram autorização para comprar armamento diminuiu em 51%, se comparado ao mesmo período de 2023. Para adquirir uma arma de fogo de uso permitido e emissão do Certificado de Registro de Arma de Fogo — administrado pelo Sistema Nacional de Armas (Sinarm) da Polícia Federal — é preciso seguir duras regras.
Em números absolutos, foram 173 requisições, de janeiro a abril, enquanto em 2023 houve 355 pedidos de autorização. A queda é ainda mais significativa se comparada a 2022 quando, no mesmo período, houve 458 solicitações.
A explicação para a diminuição no número de solicitações, segundo especialistas, está nas restrições impostas pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em janeiro de 2023, ele assinou decreto limitando para três o número de armas que uma pessoa pode adquirir. Na gestão Jair Bolsonaro, o limite era de cinco armas de cada modelo para colecionadores e de 15 para caçadores e 30 para atiradores. “O atual governo endureceu as regras. O Decreto nº 11.366, de 1º de janeiro de 2023, deixou clara a intenção de restringir e/ou dificultar a aquisição de armas de fogo pela população em geral. Os números revelam esse posicionamento”, comenta Rafael Seixas, professor de direito constitucional e direito penal.
Debates
Das 176 requisições para a compra de armas de janeiro a abril, 144 foram pedidos encaminhados por cidadãos comuns e 32 por servidores públicos. Alguns foram rejeitados pela PF. Do total, segundo a polícia, 105 pessoas não se enquadraram nas normas protocoladas.
No entanto, Rafael Seixas ressalta que ações do governo para limitar a obtenção de armas não têm relação direta com o aumento ou declínio da criminalidade. “A simplificação do acesso para o porte e/ou a posse de armamentos é um movimento que revela mais sobre a concordância do Estado com medidas afirmativas. Não é possível inferir uma correlação direta”, argumenta.
Uma série de divergências envolve o debate em torno das armas, da posse e do porte delas. Em 2019, durante o governo Bolsonaro, o ex-presidente editou mais de 40 decretos para flexibilizar a aquisição de armamentos. As normas incluíam o aumento de quatro para seis o número de armas de fogo que o cidadão comum poderia adquirir. Agentes de segurança ganharam, na época, prerrogativas para ampliar a aquisição. Policiais, agentes prisionais ou membros do Ministério Público e tribunais poderiam ter até 87 armas.
A escassez de pesquisas que mostrem que os homicídios cometidos com arma de fogo foram praticados com armamento legalizado coloca em xeque a afirmação de que o acesso mais fácil às armas esteja associado ao aumento de crimes. É o que afirma a advogada criminalista e professora universitária Ana Paula. “É uma utopia pensar que facções, milícias e grupos de extermínio pelo país afora se equipam com armas compradas legalmente. E, mais, considerar que furto e roubo dessas armas pode ser uma das principais formas de municiar criminosos é desconhecer a realidade das fronteiras brasileiras e os tipos de armamento utilizados pelo crime organizado”, acredita.
Welliton Caixeta, pesquisador vinculado ao Grupo Candango de Criminologia – GCCrim/FD, ressalta que ainda há muito a fazer para reverter, segundo ele, o “cenário caótico de armas de fogo e munições colocadas em circulação nos anos anteriores”. “Por conta do armamento irrefletido e desenfreado da população, houve também um crescimento assustador do número de clubes de tiro espalhados por todo o país, além do extravio de armas e munições para o crime (sobre a atuação armada de facções e milícias) e do consequente aumento da violência (sobretudo, interpessoal, crimes contra a vida e crimes contra o patrimônio com uso de arma de fogo)”, avalia.
Para o especialista, o principal setor afetado, além da economia, foi também o da segurança pública. No Brasil, 7 em cada 10 homicídios são cometidos com uso de arma de fogo. Todavia, é sempre importante lembrar que, de acordo com pesquisas (nacionais e internacionais), não é possível estabelecer qualquer tipo de correlação empírica entre porte/posse de arma de fogo e segurança individual. Pelo contrário, com a flexibilização de armas e munições, aumentaram vertiginosamente casos de violência armada, conflitos interpessoais e violência doméstica com uso de arma de fogo, além de delitos patrimoniais usando armas como instrumento”.
Critérios
Em 2024, de janeiro a abril, foram negados 105 pedidos para a aquisição de armas. Em 2022, foram 458 pedidos para a posse de arma, sendo que 329 conseguiram a aprovação da PF e 129 solicitações foram rejeitadas. No ano passado, das 355 pessoas que recorreram à Polícia Federal (PF) para obter armas de maneira legal, 188 tiveram a resposta positiva.
O levantamento do Sinarm mostra a quantidade de requisições para o registro da arma de fogo, ou seja, para obter a posse de arma. Esse requerimento permite que o proprietário mantenha a arma guardada em casa ou no local de trabalho, desde que ele seja o titular ou responsável legal pela empresa. A primeira etapa do processo é preencher um formulário da PF e, depois, apresentar a documentação em uma unidade da Polícia Federal.
Entre janeiro e abril deste ano, foram submetidos 79 registros. Apenas três foram indeferidos. Nos mesmos meses de 2023, de 253 solicitações, 231 foram aceitas pela Polícia Federal. O número recorde foi em 2022, quando 316 pessoas participaram do processo para a posse de armas. Dessas, a PF autorizou 292 procedimentos.
A maior parte das requisições feitas à PF, seja de posse, porte ou registro, partiram mais de cidadãos comuns (civis) do que de servidores públicos. O que pode explicar isso é a sensação de insegurança por parte da população, que, segundo avalia Seixas, assiste, diariamente, os expressivos números de crimes praticados nas mais variadas cidades e de diversos modos. “Ao quadro calamitoso de segurança pública não respondem suficientes investimentos estatais ou aportes capazes de induzir à popularização da segurança privada”.
Fiscalização
A Polícia Federal está atenta aos que tentam burlar as normas e prosseguir com a posse e porte de armas sem autorização. Só este ano, de janeiro a abril, 28 espingardas, revólveres, pistolas, rifles e carabinas foram submetidas ao Exército para destruição.
Nos primeiros meses do ano, 13 armas foram apreendidas só em Brasília, além de nove furtadas, quatro recuperadas de proprietários legais e 13 entregues voluntariamente no âmbito da Campanha do Desarmamento, medida instituída a partir do Estatuto do Desarmamento, de 2003.
Segundo os registros policiais, a maior parte desses armamentos foi usada em crimes e apreendida em operações e flagrantes. O rastreamento é feito em todos os casos, mas cautelosos, os suspeitos apagam os números de registros e os dados que indicam como ocorreu a aquisição. Em 2024, o número geral de ocorrências de janeiro a abril foi de 105. No mesmo período do ano passado, chegou a 120.
Fonte: Correio Braziliense
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