Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

O STF e o futuro do tiro esportivo no Brasil: uma análise crítica

Autor: Dr. Beretta – Especialista em legislação de armas de fogo

A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na ADC 85 tem gerado intensos debates e preocupações entre os praticantes do tiro esportivo e defensores do direito ao acesso a armas no Brasil. O que inicialmente era uma ação declaratória de constitucionalidade sobre o Decreto 11.366/2023 – que suspendia as atividades de tiro esportivo e foi assinado logo no primeiro dia de governo – tomou um rumo inesperado e, para muitos, juridicamente questionável.

A Inconstitucionalidade em Debate: Esporte e Fiscalização

O ponto central da discussão reside na aparente inconstitucionalidade das medidas governamentais. A Constituição Federal, em seu Artigo 217, estabelece como dever do Estado fomentar o esporte. Como, então, a suspensão de atividades de tiro esportivo se alinha a esse preceito? Vale lembrar que o tiro esportivo foi a modalidade que nos rendeu a primeira medalha olímpica.

A justificativa do governo para o decreto inicial baseava-se na falácia de que atiradores estariam desviando armas para a criminalidade, exigindo maior fiscalização. Contudo, o subsequente recadastramento de armas desmentiu essa premissa: 99,67% das armas foram recadastradas e apresentadas fisicamente em delegacias da Polícia Federal. Isso não apenas demonstra que as armas nunca foram desviadas em massa, mas também atesta a eficácia da fiscalização do Exército brasileiro, contrariando as alegações de “desaparecimento” de armas.

O Julgamento da ADC 85: Uma Aberração Jurídica?

A grande surpresa no julgamento da ADC 85 foi o fato de o STF ter estendido sua análise para alcançar os novos decretos sobre armas, mesmo após o Decreto 11.366 ter sido revogado. Para muitos juristas e observadores, essa extensão é uma total aberração jurídica, violando a lei que regulamenta as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) e as Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs).

Inacreditavelmente, esses novos decretos foram declarados constitucionais por votação unânime, incluindo os votos dos ministros André Mendonça e Kassio Nunes. Essa decisão é vista como um esforço desproporcional do governo federal para desarmar a população “de bem” – pais de família, comerciantes, esportistas – enquanto, paradoxalmente, não se observa o mesmo empenho no combate ao armamento da criminalidade.

Um ponto importante a ser destacado é a inédita mobilização de organizações que defendem o direito ao acesso a armas e à legítima defesa. A atuação dessas entidades, como a Federação de Clubes de Santa Catarina, que teve uma brilhante sustentação oral realizada pelo Dr. Beretta, marca um novo capítulo na luta contra as restrições impostas pelo governo federal.

Inconstitucionalidades Flagrantes dos Novos Decretos

Apesar da declaração de constitucionalidade pelo STF, diversos pontos dos novos decretos são manifestamente ilegais e inconstitucionais:

1. Transferência da Fiscalização do Exército para a Polícia Federal

A Lei 10.826, em seu Artigo 24, é clara: a fiscalização dos Colecionadores, Atiradores e Caçadores (CACs) é competência do Exército Brasileiro. Um decreto não pode contrariar uma lei, que, na pirâmide de Kelsen, é hierarquicamente superior.

Além da questão legal, há um problema prático e orçamentário. O Exército conta com um efetivo de 217.000 homens, enquanto a Polícia Federal dispõe de apenas 14.000. Quem teria mais condições de realizar uma fiscalização rigorosa? Adicionalmente, essa transferência viola a Lei de Responsabilidade Fiscal, pois a fiscalização dos atiradores possui dotação orçamentária própria, prevista na Lei 10.834/2003. O governo, ao criar uma despesa para a PF sem a devida receita, incorre em uma irregularidade fiscal.

Representações já foram protocoladas no Tribunal de Contas da União (TCU) buscando liminarmente impedir essa transferência. A Polícia Federal, com sua missão vital de combater o narcotráfico, grupos terroristas e o contrabando de armas, não deveria ser sobrecarregada com tarefas que a transformam em um “cartório” de fiscalização de documentos.

2. Limitação de Horário de Funcionamento dos Clubes de Tiro

O decreto estabelece a obrigatoriedade de 20 treinos e 6 competições por ano para os atiradores, exigindo que o façam com todas as armas descarregadas no porta-malas do carro e, pasmem, à noite. Isso é um absurdo e uma violação direta do Artigo 30 da Constituição Federal, que define a legislação municipal como competente para determinar o horário de funcionamento de estabelecimentos comerciais.

Essa medida não apenas dificulta a prática esportiva, mas também gera um grave risco à segurança pública. Obrigar atiradores a transportar múltiplas armas descarregadas, à noite, torna-os alvos fáceis para criminosos, que podem se posicionar na porta dos clubes para roubar esse arsenal. É contraditório que o governo, alegando querer reduzir a circulação de armas, crie uma situação que efetivamente a aumenta, ao expor a sociedade a riscos desnecessários. Se um atirador precisa ir ao clube, grosso modo, semana sim, semana não, para cumprir as exigências, o volume de armas em trânsito noturno se torna alarmante.

Diante desse cenário, projetos de lei estão sendo elaborados para tentar reverter essas disposições.


A batalha pela defesa do tiro esportivo e do direito ao acesso a armas no Brasil está longe de terminar. As recentes decisões e decretos têm gerado um ambiente de incerteza e preocupação, mas também de mobilização e resistência por parte da sociedade civil. O acompanhamento dessas questões é fundamental para garantir que os direitos e a segurança dos cidadãos sejam preservados.

Inscreva-se na nossa Newsletter

E fique por dentro das novidades do Mundo Triggers