Os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016, representaram um marco para o tiro esportivo brasileiro. Após 96 anos sem medalhas, a modalidade voltou ao pódio olímpico com o atleta Felipe Wu, que conquistou a prata na pistola de ar 10m, tornando-se o principal destaque do país nesse esporte.
O atirador se destacou também nos Jogos Olímpicos de Verão da Juventude de 2010, realizados em Singapura, ao ganhar a medalha de prata. No mesmo ano, conquistou o ouro ao compor a equipe brasileira nos Jogos Sul-Americanos de Medelín, na Colômbia. Também conseguiu a medalha de ouro nos Jogos Sul-Americanos de 2014, em Santiago, no Chile. No Pan de Toronto, Canadá, em 2015, levou para casa a medalha de ouro na categoria pistola de ar 10m. Ainda venceu duas etapas da Copa do Mundo de Tiro Esportivo em 2016, em Bangkok (Tailândia) e Baku (Azerbaijão).
Incentivado pelo pai, Felipe Wu começou praticar tiro aos oito anos. Aos 12, competiu pela primeira vez. Em um país que não valoriza o esporte, o atleta treinava na garagem de casa. Desde então, ele vem se dedicando ao esporte, conciliando os treinos com os estudos e trabalho.
O medalhista olímpico conta que começar a treinar exigiu dele muito esforço e disciplina. “Por um bom tempo, dividi a prática esportiva com os estudos. Posteriormente, tive a felicidade de obter bons resultados e poder me dedicar exclusivamente aos treinos e competições, principalmente no período em que fui militar temporário (3° Sargento do Exército Brasileiro). Desde que saí do Exército, venho dividindo meu tempo de treinamento com meu trabalho”.
Além das dificuldades que todos os atletas devem enfrentar, os brasileiros têm ainda mais um problema: a falta de apoio e a dificuldade em adquirir equipamentos de qualidade. Na prática de tiros também é assim. “Nos deparamos com um grande preconceito sob a prática do esporte, pelo uso de armas. Poucas marcas optam por associar sua imagem ao tiro esportivo, principalmente por falta de cobertura da mídia, o que nos deixa marginalizados”, lamenta o atleta.
O presidente da Confederação Brasileira de Tiro Defensivo e Caça (IDSC Brasil), Sérgio Bitencourt, também percebe forte resistência das empresas no apoio aos atletas. “O tiro, assim como qualquer outro esporte, está sujeito à mesma legislação, como a lei de incentivo ao esporte. Mas, infelizmente, nosso esporte ainda sofre de grande preconceito”.
Em relação aos patrocínios, eleafirma que são raros no segmento de tiro. “O que tenho mais ciência são os das grandes empresas do setor, como das fabricantes de armas e munições. São os principais. Numa esfera menor, empresas que fabricam acessórios, mas são bem mais modestos. O atleta não consegue viver do tiro ou ter o esporte totalmente custeado por patrocínio. Atualmente, o patrocínio é pra amenizar um pouco o desembolso que acaba tendo”.
No entanto, Bitencourt lembra que alguns estados, como do Mato Grosso, é diferente. “O campeonato brasileiro em Atibaia (SP), a exemplo do ano passado, patrocinou uma delegação de atletas com passagem aérea e hospedagem, mas isso ainda acontece de forma tímida e são situações isoladas”, cita.
Políticas públicas
Do ponto de vista das políticas públicas de incentivo aos atletas, ainda existe um longo caminho a percorrer. “A gente não vê muitos parlamentares e pessoas públicas com essa visão em relação ao esporte”, diz o presidente da IDSC Brasil, Sérgio Bitencourt.
O medalhista olímpico Felipe Wu completa que “existem projetos executados por órgãos públicos para manutenção de arenas e apoio a entidades do tiro esportivo, mas são sempre focadas nas modalidades olímpicas, e existem poucos – ou quase nenhum – voltados para a formação de novos atletas. Além disso, sinto que poucas entidades de administração do desporto são organizadas o suficiente para se tornarem atrativas ao investimento privado”, pontua.
Além disso, muitos atletas de tiro esportivo relatam dificuldades para importar equipamentos e munições de treino para competições. De acordo com Wu, essa situação ocorre por dois motivos. O primeiro deles é a burocracia. “O processo é moroso e, muitas vezes, complexo”.
O segundo ponto está relacionado aos altos custos e aos impostos. “Existe uma lei em tramitação para garantir a isenção de impostos para equipamentos esportivos em modalidades olímpicas. Isso já existia antigamente, mas o governo federal não manteve esse benefício após os Jogos Olímpicos de 2016. Isso com certeza nos ajudará, mas ressalto que novamente será apenas para modalidades olímpicas”.
Apoio
Considerado uma referência mundial, Felipe Wu é reconhecido internacionalmente por fãs, atletas e grandes marcas. Entretanto, sua trajetória no esporte também enfrentou alguns desafios. “Quando comecei, eu só tinha o ‘paitrocínio’”, brinca o atleta, fazendo referência à ajuda de seu pai.
Ele afirma que normalmente, no começo da carreira, é comum que o atleta se banque sozinho, fator que dificulta o rendimento do atirador, que precisa se desdobrar em outras atividades que financeiramente o permita seguir no esporte. Nesse sentido, Wu considera o processo de captação de patrocínios como uma tarefa difícil, já que, segundo ele, não existe uma política que absorva novos atletas. “No meu caso, comecei a me destacar no esporte e ter melhores resultados e assim fui atrás desse apoio”, lembra.
“Atualmente, tenho o patrocínio da Rifle, que é uma empresa nacional que produz chumbinho para arma de impressão, e da CBC, Companhia Brasileira de Cartuchos. Além disso, faço parte do programa Bolsa Atleta, que é um incentivo do Governo Federal”, acrescenta.
Infelizmente, essa não é a realidade da maioria. Para mudar essa situação, Felipe ressalta que essa é uma questão complexa, porque depende muito da área do tiro esportivo que está em questão.
“Para o Tiro Olímpico, acredito que devemos buscar apoio do setor privado em contrapartida da exposição das marcas em eventos nacionais e internacionais. Temos a vantagem de conseguir estar em eventos com diversos esportes e isso é um atrativo a possíveis patrocinadores. Por outro lado, é importante que consigamos obter bons resultados para atrair o interesse das marcas. A partir de novos investimentos, deve ser feito um trabalho para aumentar nossa base, ou seja, o número de praticantes jovens que serão o futuro do esporte”.
Por fim, Felipe Wu fala da importância do apoio financeiro para os esportistas. “O patrocínio é essencial, principalmente no tiro são poucos atletas que tem o esporte de tiro como profissão. E, para isso, eles acabam investindo muito, tirando do próprio bolso para se bancar no esporte. A partir do momento que você tem uma base melhor, um apoio e uma estrutura, você consegue se dedicar com mais tempo e profissionalismo ao esporte”, conclui o atleta.