Campeã brasileira de tiro, medalhista por equipe no Mundial da França, em 2022, Jéssica Michalak é atleta de tiro esportivo paralímpico. Atualmente com 28 anos, ela se destaca no cenário esportivo pela dedicação ao esporte.
O tiro esportivo é uma modalidade que exige concentração, técnica e prática. Conforme dados do Comitê Paralímpico Brasileiro, a modalidade estreou nos Jogos Paralímpicos de 1976, em Toronto, apenas com homens. Quatro anos depois, em Arnhem, na Holanda, as mulheres entraram na disputa, inclusive em provas mistas. Em 1984 (Stoke Mandeville e Nova York) e 1988 (Seoul), as provas mistas foram retiradas do programa, voltando apenas em 1992, em Barcelona, substituindo a prova feminina. Quatro anos depois, em Atlanta, os três tipos de disputas foram fixadas novamente nos Jogos.
A estreia do Brasil ocorreu em 1976. A segunda aparição de brasileiros veio somente em Pequim 2008, após 32 anos fora do evento, com Carlos Garletti, que também disputou as Paralimpíadas de Londres 2012 e do Rio 2016.
A catarinense Jéssica Michalak iniciou no mundo do tiro em 2017 e, de lá pra cá, soma muitas conquistas. Ela foi campeã brasileira de 2019 a 2021 no Nacional. Em 2022, estreou no Mundial e na Seleção Brasileira, sendo a primeira vez que o Brasil contou com a participação de uma mulher na modalidade, conquistando o terceiro lugar por equipe na França e também o índice internacional nos Emirados Árabes, para competição do Mundial de 2023.
“Meu primeiro campeonato foi em 2017, de cara no Campeonato Brasileiro de Tiro Esportivo no Rio de Janeiro. Nosso grande amigo Carlos Garletti, sempre com seu carisma e todo extrovertido, disse ‘você vai competir’ e me colocou logo nesse campeonato. ‘Você vai para pegar a experiência e se divertir’, disse ele. Então, fui para a disputa, conheci várias pessoas incríveis que admiro muito e, mesmo tremendo, consegui a sexta e sétima colocação de 12 atletas na época, nas modalidades que pratico: R4 e R5. Isso me motivou a continuar, pela grande experiência que tive e a adrenalina em participar de um campeonato nacional”.
Tiro certo
Influenciada pelo noivo, a atiradora conta que o tiro não foi amor à primeira vista, mas atualmente se transformou numa grande paixão. “De início, não curtia muito, mas foi pelo incentivo do meu noivo Roberto Ittiner que entrei para esse mundo do esporte que hoje amo tanto”, declara.
Em busca de um hobbie, o casal encontrou no tiro esportivo uma motivação. Inicialmente, começaram a frequentar o Clube de Caça e Tiro Frederico Donner, mas por incompatibilidade de horários buscaram outro local. “Descobrimos o Tiro Seta a 7 metros, uma modalidade cultural do tiro esportivo, onde participamos até hoje na equipe. Então, ele frequentava essas aulas e eu o acompanhava, até que, em certo momento, meu noivo e a equipe me incentivaram a começar a atirar”, conta.
Por medo e insegurança, Jéssica protelou por umas semanas, mas, em função da insistência do grupo, tomou coragem e começou a praticar. “Lembro até hoje que meu primeiro tiro foi no chapéu da luz. Comecei a praticar as aulas, pegando toda experiência de postura, respiração, gatilho e a técnica em geral”.
Atualmente, ela se dedica de uma a quatro horas por dia, em treinamentos diários. Além disso, a prática de exercícios para fortalecimento, meditação para concentração, dieta saudável, fisioterapia e consulta com psicóloga fazem parte da preparação. “Percebi que, para a disputa profissional, era necessário focar ainda mais no esporte. Por isso, em 2022, reforcei algumas práticas e iniciei em outras”.
Adaptação
Jéssica Michalak conta que, na modalidade olímpica, os atletas usam jaqueta, calça e sapato para dar mais estabilidade, atirando em pé e deitado no chão conforme a modalidade. Já no paraolímpico, a maioria usa só a jaqueta, uma mesa para categoria deitado, a mola de apoio da carabina para quem tem uma deficiência que não consegue segurar a arma e um banco para a modalidade em pé, porém sentado. Mas cada atleta tem sua própria adaptação, na cadeira de roda ou uma mesa feita de acordo com sua deficiência, respeitando as regras.
Cada atleta passa por classificação médica para saber em qual categoria se encaixa. Na carabina, há duas categorias, SH1 e SH2. Os atletas da primeira são os que possuem deficiência que não impeça de segurar a carabina com as mãos. Já os atletas do SH2 são aqueles que não conseguem segurar a carabina, por isso, contam com a mola de apoio, que simula o segurar com as mãos. “Eu sou dessa categoria por minha deficiência física e não conseguir segurar a carabina por muito tempo por causa do peso”, destaca Michalak.
A atiradora nasceu com uma má formação nas mãos e nos pés, fator que dificultou a prática de tiros em algumas modalidades. “Como eu atirava com uma carabina modificada para seta e em pé, ela era um pouco pesada para eu segurar por muito tempo durante uma competição, então, nós buscamos uma carabina mais leve, para eu seguir na modalidade”.
No entanto, com apoio do armeiro da equipe da época, Jéssica e o noivo conheceram a modalidade paralímpica no tiro esportivo de chumbinho, os equipamentos e o formato de tiros. “Na hora, fiquei super encantada e quis me aprofundar nessa modalidade”.
Nessa busca, eles conheceram Carlos Garletti, famoso paratleta, que indicou a categoria ideal para Jéssica e explicou sobre os tipos de carabina utilizados, mesa, mola, roupas, adaptação e outros detalhes referentes à modalidade.
Para aprender as novas técnicas, durante um período, a atleta treinou sentada em uma cadeira simples com uma carabina de chumbinho mira aberta, na distância dos 10 metros, que é a distância atual de sua modalidade, e apoiada na bancada numa mochila. “Até poder ter o equipamento completo, treinei assim por uns meses. Posteriormente, consegui com o Carlos Garletti uma carabina mais barata. Por meio de apoio da Bélica Militar de Timbó, consegui a mesa adaptada e a equipe do Tiro Seta me ajudou com a mola”, relembra.
Desafios
Otimista, Jéssica encara as dificuldades como um algo positivo e desafiador. Por se tratar de tiro esportivo, ela percebe um tom de preconceito por parte de muitas empresas, o que já a prejudicou na busca por patrocínios.
Hoje, a atleta conta com o apoio da empresa Bélica Militar e do Clube Arena 44 de Rio do Sul. Ela recebe também o “Bolsa Atleta”, do Governo Federal. “Este ano, entrei com o projeto de lei do Incentivo ao Esporte, na qual empresas e pessoas físicas podem contribuir, tendo como contrapartida o abatimento do Imposto de Renda. Essa foi uma das formas para me ajudar nos custos e no pagamento dos profissionais que me auxiliam”, revela.
Outra adversidade fica por conta do alto custo dos equipamentos necessários para os treinos e competições, já que são importados. Michalak conta que normalmente compra acessórios usados e disponibilizados por outros atletas. “Desde o início, é tudo um desafio, mas um desafio bom. Como almejamos esse sonho, sempre corremos atrás para conseguirmos investir no esporte. Já realizamos “pastelada” aqui na região, fizemos rifas e pedimos apoio quando não completamos o valor que precisávamos”.
“Sempre encontramos desafios. Já teve ano que precisamos ter o chumbinho contado para prova e treino. E uma ajuda que me marcou muito foi receber um suporte de um atleta. Ele me deu uma jaqueta sem cobrar nada e disse que o sorriso pagaria por ela”, recorda.
Alvos
Jéssica Michalak tem ambições como esportista, mas também quer ser lembrada como grande incentivadora. “Meu objetivo é conquistar uma boa colocação no mundial e participar nas paralimpíadas. Divulgar mais a existência desse esporte no país, incentivar mais atletas a entrar e conhecer a modalidade”.
Para os atletas paralímpicos, ela deixa um recado especial: “uma dica é ter persistência e seguir em frente, indiferente de qual esporte você pratique. É importante buscar informação e fazer tornar realidade, independente de qualquer tipo de deficiência. Para conhecer e aprender mais sobre o esporte, estou à disposição pelas minhas redes sociais @jessicamichalack, pois será uma honra ajudar a todos”, conclui.