Parafraseando o cantor e compositor Erasmo Carlos, é um absurdo quando dizem por aí que a mulher é o sexo frágil, até porque essa máxima já está em desuso e comprovadamente ultrapassada. A instrutora de tiro Fabiana Trentin vem contribuindo para desconstruir essa mística e quebrar o tabu de discriminação no mundo das armas.
A desigualdade de gênero no ambiente corporativo ainda é um desafio social a ser trabalhado. Questionada sobre os desafios enfrentados no mundo das armas de fogo, Fabiana Trentin lamenta que já tenha vivido discriminação no setor, mas ressalta que não é algo recorrente nos dias de hoje. “Eu já sofri bastante preconceito, mas não deixei isso me abalar. Sempre entrei com respeito nesse ramo, sabendo reconhecer o que faltava para mim profissionalmente. Assim, fui dando um passinho de cada vez, adquirindo conhecimento, adquirindo confiança e, assim, consegui respeito”, lembra.
Atualmente, Trentin se desdobra em suas múltiplas funções: mãe, advogada e coordenadora de Desenvolvimento de Novos Negócios de uma empresa multinacional. É embaixadora da Glock do Brasil e patrocinada pela Armifera e pela Pelicam.
Além disso, ela atua incentivando mulheres e contribuindo para que elas se sintam sempre seguras sem perder a feminilidade. “Hoje, meu carro chefe é o look feminino e o porte velado. Recebo muitas perguntas de profissionais da segurança pública, pedindo dicas de que roupa usar, como se portar, quais equipamentos comprar, e isso é muito legal, pois me dediquei muito para isso”.
“Como mulher, sofri muito por não encontrar nenhuma informação na internet sobre como portar a nossa arma, que é nosso instrumento de defesa no dia-a-dia. Então, eu passei muito perrengue, estraguei muita roupa, treinei muito em casa e fui criticada no início, porque as pessoas diziam que era futilidade. Mas, desde o início, eu associei com segurança mesmo, porque portar uma arma de fogo de maneira errada e não conseguir realizar um saque eficaz e seguro poderia comprometer a segurança das pessoas que estão ao meu redor. Por essa razão, venho fornecendo treinamento para policiais e eu estou muito feliz com o feedback que recebo dos profissionais da área”, esclarece a instrutora.
Referência para mulheres no cenário esportivo, Fabiana Trentin se diz muito feliz por contribuir com o público feminino. “As pessoas só veem quando a gente conquistou alguma coisa, mas não sabe o caminho pedregoso que a gente teve que enfrentar. Então, fico muito feliz e até constrangida com esse reconhecimento”.
Ela revela que encontrou no tiro, na defesa, no esporte, um propósito de vida. E como agradecimento ela quer ajudar o maior número de pessoas possível. “Quanto mais mulheres forem treinadas, menos vítimas nós teremos por aí. E é esse o meu objetivo”.
“Quero usar esse respeito que venho conquistando dentro da segurança pública para ajudar essas profissionais, para que elas possam se portar de forma adequada sem perder a feminilidade. Uma arma de fogo não nos deixa masculinizadas, muito pelo contrário, ela garante a segurança”, completa.
A especialista resume que, para ela, o tiro esportivo traz alegria e relaxamento. “Não tem como uma pessoa se manter estressada praticando tiro esportivo. Os casamentos seriam mais felizes se todo mundo praticasse tiro esportivo. É uma alegria, porque é possível sentir a evolução dia a dia, disparo a disparo, pois o tiro é uma habilidade motora. Quanto mais a gente treina, melhor a gente fica e são essas pequenas evoluções no cotidiano, são essas pequenas conquistas no teu dia-a-dia que garantem a endorfina. Não tem como não melhorar o nosso humor e a nossa autoconfiança. Praticar tiro esportivo é sensacional”.
“As mulheres estão tendo muito destaque nessa categoria. As mulheres atiram muito bem e eu sou uma grande incentivadora mesmo”, destaca a atiradora.
Trajetória
Fabiana Trentin relembra que a defesa pessoal foi o que a trouxe para esse mundo das armas de fogo. Inserida desde 2018 no meio armamentista, ela cansou de se sentir vulnerável ao se ver sozinha com os dois filhos. “Apesar de morar em uma cidade pequena no interior do Rio Grande do Sul, minha família já foi assaltada algumas vezes. Em uma viagem profissional, como advogada de direito imobiliário, o pneu do meu carro furou e eu fiquei no meio do nada, sem sinal de celular, sem sinal de internet. Nessa ocasião, dois homens me abordaram, graças a Deus, para me ajudar, mas foi naquele momento que percebi o quão vulnerável eu estava. E, em função do histórico negativo, fiquei muito assustada. Foi então que prometi que não poderia continuar assim e, já no dia seguinte, busquei meu primeiro curso de tiro e amei”.
Desde então, Fabiana se dedica ao mundo das armas de fogo, mas lembra que nem sempre foi fácil. Naquela época, segundo ela, a prática de defesa e tiro era muito marginalizada e, por isso, não era um assunto que circulava com naturalidade nas rodas de conversa. Além disso, não havia facilidade de encontrar os clubes de tiros, como nos dias de hoje, e nem divulgações sobre o tema na internet. “Apesar das dificuldades, busquei os treinamentos. Na época, tinham pouquíssimas mulheres nesse ramo de treinamentos de defesa, de tiro”.
“Sempre fui tratada com muito respeito pelos colegas da área, tanto como aluna quanto como profissional. Entretanto, em determinado treinamento, por ser a única mulher presente numa turma de 20 alunos, três instrutores e dois profissionais que cuidavam da manutenção do clube, um colega me tratou de forma agressiva, grosseira e machista pedindo que eu fizesse o café”, enfatiza.
Além desses contratempos, a instrutora afirma que recebeu diversas críticas por buscar treinamentos de tiros, que sempre foi algo associado à violência. “A gente enfrenta esses preconceitos e ainda esse tipo de questionamento. Foi bem complicado e, a partir daí, resolvi montar cursos de tiro feminino”.
Para se profissionalizar, Fabiana Trentin buscou profissionais e instrutores já consagrados no mercado e treinou com eles pelo Brasil. Posteriormente, fez uma seleção de instrutores mais adequados para sua região e iniciou as turmas femininas. “Foi no famoso boca-a-boca, convidando as amigas por telefone, indo até a casa delas, e acabou que, dessa forma, saíram três turmas. Uma grata surpresa. Então, eu pensei: não é uma brincadeira, preciso me profissionalizar”.
A especialista conta que, a partir desse momento, resolveu abrir uma empresa, procurar marcas do setor e desenvolver uma rotina de treinamentos. “Até hoje eu treino. Quanto mais eu treino, vejo que menos sei. Então, tenho que continuar treinando e desenvolvendo algumas habilidades. Com essa preocupação, comecei a montar treinamentos femininos, os maridos das alunas também começaram a se interessar, e iniciamos turmas mistas para atender a todos”.
Nos dias atuais, em função da insegurança jurídica que o cenário está vivendo, houve uma queda brusca no número de aulas particulares. Por outro lado, segundo Trentin, aumentou muito a busca por treinamentos para profissionais da segurança pública. “Nosso foco está em capacitar as mulheres da segurança pública, porém também estou aceitando convites e fornecendo treinamento para homens da segurança pública, aqueles que trabalham mais em cargos executivos e que utilizam roupas sociais em sua rotina diária”.